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O papel da Bioenergia na resiliência e descarbonização do Setor Energético

 

Após a crise energética desencadeada pelo aumento dos preços após crise pandémica Covid-19, eis que surge a guerra na Ucrânia, expondo novas incertezas e fragilidades, nomeadamente no que toca à dependência energética da União Europeia face ao gás natural russo.

Para minimizar esta dependência energética, e tendo por pano de fundo a neutralidade carbónica, a União Europeia (EU) lançou em Março de 2022 o plano “REPowerEU”, com o objetivo de aumentar a resiliência do sistema energético europeu. Os eixos deste plano assentam na redução do consumo energético, na produção de energia renovável e na diversificação das fontes de abastecimento.

Em antecipação ao “REPowerEU”, mais de 500 empresas da cadeia de valor da bioenergia escreveram à Comissão Europeia apelando a uma abordagem holística no processo de eliminar a dependência energética do gás natural russo. Os CEO e os representantes da cadeia europeia de bioenergia e biocombustíveis instam os líderes da UE a incluir a bioenergia como um dos vetores energéticos que, pela disponibilidade imediata, poderá contribuir para minimizar no curto prazo a crise da segurança energética, decorrente da dependência da Rússia, e dos preços da energia.

Mas o papel crucial da bioenergia surge muito antes da atual crise, quando a União Europeia assumiu o compromisso  de se tornar neutra em emissões líquidas de carbono até 2050, através do European Green Deal, cujo objetivo é melhorar o uso eficiente de recursos, transitando para uma economia limpa e circular, restaurando a biodiversidade e reduzindo a poluição. Mais tarde, em 2021, é lançado o pacote de propostas legislativas “Fit For 55”, de modo a impulsionar e regulamentar a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030, período denominado por muitos “a década decisiva”.

Para atingirmos emissões líquidas neutras até 2050, a estratégia adotada deverá ponderar todas as soluções viáveis para a descarbonização, promovendo a economia circular dos seus ativos e das matérias-primas, assim como a diversificação de vetores energéticos de baixo, nulo ou mesmo negativo teor de carbono, como poderá ser o caso da bioenergia.

Uma via renovável

A bioenergia pode ser obtida a partir da conversão da matéria orgânica, como biomassa, resíduos ou detritos dos setores florestal, agrícola, agro-industrial e marinho, e da fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos. Na sua forma “tradicional”, a bioenergia é gerada através da combustão de biomassa para geração de calor e/ou eletricidade, enquanto na sua forma “moderna” a biomassa é convertida em biocombustíveis líquidos ou gasosos, ou em bio-produtos.

Atualmente, a bioenergia é o único vetor energético com emissões líquidas neutras de CO2 que, sendo conciliada com a captura e sequestro de carbono (Bioenergy with carbon capture and storage – BECCS), é uma tecnologia com emissões negativas e, como tal, um sumidouro artificial de carbono.

Considerando o exemplo da matéria vegetal, o crescimento da planta ocorre através da fotossíntese. Nesta reação biológica, as folhas utilizam a energia do sol para “sequestrar” o átomo de carbono da molécula de CO2 presente no ar, libertando oxigénio como subproduto. O carbono retido contribui para o crescimento da planta, ficando assim “armazenado” nesta, bem como nos solos onde ela se fixa. O sequestro de carbono é mais ativo quando a planta está em crescimento, perdendo intensidade à medida que esta se desenvolve. Por este motivo existem momentos adequados de colheita das plantas, que maximizam o rendimento do
seu ciclo natural.

A geração de energia elétrica a partir de matéria vegetal ocorre por reações de combustão, produzindo CO2. O CO2 será posteriormente captado por outra planta, através da fotossíntese, e assim temos o ciclo completo. A biomassa é então considerada renovável, com emissões neutras, no pressuposto de que a sua taxa de renovação é superior ao consumo, impondo-se, portanto, uma exploração responsável deste recurso para que seja sustentável.

(…)

Biocombustíveis para mobilidade

A nível da mobilidade, o compromisso de descarbonização da atual frota tem vindo a ser conseguido principalmente através do aumento da incorporação de biocombustíveis sustentáveis. O pacote “Fit For 55” surge com propostas mais ambiciosas ao nível da incorporação de energia renovável nos transportes, passando de 14% para 26% de incorporação até 2030 através da revisão da Diretiva das Energia Renováveis (REDIII), superior aos 20% estabelecidos pelo governo português no Plano de Nacional de Energia e Clima (PNEC).

A meta de incorporação definida pelo governo português está atualmente fixada em 11% em teor energético para 2021/22, devendo 0,5% corresponder a biocombustíveis avançados, ou seja, biocombustíveis produzidos através de matérias-primas residuais. É da responsabilidade do Laboratório Nacional de Energia e Geologia a verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis e biolíquidos, de acordo com o estabelecido na RED, dos produtores nacionais e importadores. 

Atualmente, a produção de biocombustíveis em Portugal consiste apenas em substitutos de gasóleo (FAME e HVO), os quais já são produzidos maioritariamente a partir de matérias residuais (62,6%), nomeadamente óleos alimentares usados (OAU). Em 2020, segundo o LNEG, cerca de 89% do volume de biocombustíveis incorporados no mercado português são de produção nacional, sendo que 2,9% do volume corresponde a biocombustíveis avançados. 

 

Ana Rita Gomes, Board Member at Future Energy Leaders Portugal / Associação Portuguesa da Energia e Energy Policy Analyst at APETRO
José Sarilho, Member at Future Energy Leaders Portugal / Associação Portuguesa da Energia e Energy Process Engineer at THE NAVIGATOR COMPANY

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