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O futuro da mobilidade: [também] os “e-combustíveis”

1. Uma alternativa de mobilidade

Se olharmos para as notícias da especialidade, que nos falam do futuro da mobilidade mais sustentável, todos os indicadores apontam no sentido da mobilidade do futuro, como sendo 100% elétrica, com algumas marcas de automóveis a assumir, como certo, que afinal o futuro passa pelo hidrogénio e, garantindo, para breve, o lançamento no mercado mundial de um veículo que produz o próprio hidrogénio. Esta última solução – a da pilha de hidrogénio – apresenta como vantagem, o facto de dispensar o enormíssimo investimento no reforço e adaptação da rede elétrica, e a adaptação das cidades e das habitações aos necessários carregadores.

Contudo, escassas notícias falam de uma tecnologia em franco desenvolvimento nos países da europa central, principalmente na Alemanha, que cientes dos custos com os investimentos da rede elétrica, apostam claramente, nos “e-combustíveis”, ou para melhor compreensão, nos combustíveis sintéticos, naturalmente neutros em emissões de CO₂ e, portanto, 100% sustentáveis.

Mas quais são as vantagens dos “e-combustíveis”, relativamente ao veículo 100% elétrico e, mesmo, ao movido a hidrogénio? Tal como mencionado mais acima, os custos de transformação/reforço da rede elétrica são o principal obstáculo à total eletrificação da mobilidade, isto para não aprofundar o tema da impossibilidade de utilização de veículos pesados movidos a eletricidade, muito menos aviões. A principal vantagem reside na desnecessidade de substituir todo o parque automóvel, com os custos ambientais que isso significa, pois os motores de combustão interna estão aptos a utilizar este tipo de “e-combustíveis” com zero emissões de CO₂. Por outro lado, a rede de distribuição destes novos combustíveis já existe, e é mantida na sua totalidade, com pequenas, ou nenhumas adaptações, até porque, contrariamente ao hidrogénio, os futuros “e-combustíveis” podem ser armazenados à temperatura ambiente, tal como acontece atualmente com o diesel e a gasolina. Além disso, os combustíveis sintéticos (totalmente sustentáveis, recorde-se) apresentam uma maior autonomia que qualquer veículo elétrico, e o abastecimento é realizado em escassos minutos, tal como acontece nos abastecimentos a que ainda estamos habituados, podendo, adicionalmente, ser utilizado em todo o tipo de viaturas pesadas (de passageiros ou mercadorias), não se descartando a utilização, sem grandes alterações, na aviação.

São, pois, estas as alternativas que se apresentam como viáveis para a mobilidade do futuro, a custos bem mais inferiores para as famílias, para o país e, para o ambiente, se pensarmos nos custos ambientais da substituição.

2. A produção de “e-combustíveis”

O processo de produção de e-combustíveis sustentáveis vem exemplificado na figura abaixo, e tem início na geração de eletricidade verde (1), a partir de fontes renováveis, posteriormente, é obtido o hidrogénio a partir da água, por processo de eletrólise da água (2), seguindo-se a adição de carbono, proveniente do CO2 que pode ser obtido através de biomassa, ou através da captura direta do próprio ar (3). Finalmente, é feita a conversão (3) do CO₂ e do H₂ para posterior processamento (4) e obtenção do e-combustível.

3. Os antecedentes históricos da produção de “e-combustíveis”

O processo de produção de “e-combustíveis” não é novo, data do início do século XX e, baseia-se no método desenvolvido em 1920 por Franz Fischer e Hans Tropsch – designado por processo Fischer-Tropsch – o qual consiste num processo químico para produção de hidrocarbonetos líquidos (gasolina, querosene, gasóleo e lubrificantes) a partir de gás de síntese, isto é, a partir de uma mistura combustível de gases (CO₂ e H₂). Historicamente, embora não utilizando os mesmos princípios sustentáveis de hoje, este tipo de combustíveis já era comercializado na Alemanha em 1936, que por ser um país pobre em petróleo, mas rico em reservas de carvão, usou o processo de Fischer-Tropsch durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) para produzir combustíveis sintéticos alternativos. A produção de combustível sintético, naquela época, representou 9% da produção total de combustíveis usados durante a guerra e, 25% do combustível disponibilizado para a restante mobilidade.

4. A neutralidade carbónica dos “e-combustíveis”

Este é um ponto importante, pois é a neutralidade carbónica, ou seja, o facto de serem100% sustentáveis, que torna os “e-combustíveis” totalmente aptos a substituir o petróleo. A sua sustentabilidade é assegurada pelo processo de produção e, como o próprio nome indica, os combustíveis sintéticos renováveis são produzidos exclusivamente com energia elétrica obtida a partir de fontes renováveis. Este processo de produção, tal como explicado mais acima, é ainda considerado o mais eficaz em termos de neutralidade carbónica porque, em bom rigor, o processo de produção captura o CO₂ necessário para produzir estes combustíveis, quer seja o CO₂ presente na atmosfera, ou com recurso a uma outra fonte que, por alguma razão, careça de emissões, que são, como vimos, reaproveitadas, transformando deste modo um gás de efeito estufa num recurso. Isto cria um ciclo produtivo em que o CO₂ emitido pela queima de combustíveis sintéticos renováveis é reutilizado para produzir novos combustíveis. Os veículos rodoviários, quando movidos a combustível sintético, serão em última análise neutros para o clima.

Atualmente, o principal entrave à produção massiva de combustíveis sintéticos são os custos de produção. No entanto, estes custos estão em franca redução, não só pela rápida evolução da tecnologia de produção, mas também pela própria autonomização da produção de eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, utilizada intensivamente na produção, sendo este o principal custo associado a este tipo de carburantes.

Um consórcio de empresas de diversos pontos do globo, como as alemãs Porsche (marca que decidiu investir cerca de mil milhões de euros no desenvolvimento dos “e-combustiveis”) e Siemens Energy, a empresa energética chinesa AME, a petrolífera italiana Enel e a petrolífera chilena ENAP, em parceria com norte-americana ExxonMobil, contando com o apoio do governo alemão, envolveram-se num projeto com vista à instalação deste tipo de unidades de produção, que deverá iniciar a sua fase piloto/operação em 2022. No desenvolvimento dos “e-combustíveis”, aquelas empresas não estão sós, pois a Audi, a McLaren, a BMW, a Bosch e a Aston Martin, também apostam no desenvolvimento deste tipo de tecnologia.

No que respeita ao referido projeto, e como todo este processo consome energia elétrica – a qual deve ser limpa para o processo fazer sentido do ponto de vista ambiental – está prevista a construção de um parque eólico para esse efeito, tendo sido escolhida, para a instalação do mesmo e da unidade de produção de combustíveis, a cidade de Magalhães no sul do Chile, o qual, segundo os técnicos, é o lugar com mais vento no planeta. É esperado um volume inicial (fase piloto) de produção de 130 mil litros/ano, estimando-se chegar aos 55 milhões de litros/ano em 2024 e a 550 milhões de litros/ano em 2026.

Estudos atuais apontam para que o preço por litro (excluindo os impostos) possa rondar entre o €1,20 e €1,40 até 2030 e, que o mesmo seja inferior a €1,00 até 2050. A diferença de custo destes combustíveis em comparação com os combustíveis fósseis pode ainda ser significativamente reduzida se considerarmos as suas vantagens em termos ambientais. Além disso, o facto de serem compatíveis com as infraestruturas e a tecnologias automóveis já existentes, poderá tornar os “e-combustíveis” numa alternativa energética a considerar.

O impacto ambiental dos “e-combustíveis”, segundo Frank Walliser (CEO da Porsche Motorsport) é comparável ao dos veículos elétricos: “Se considerarmos uma perspetiva desde a origem até ao veículo – incluindo o transporte do combustível e a cadeia de abastecimento – conseguimos alcançar um excelente nível de eficiência. Nesta análise, obtém-se uma eficiência semelhante à de um automóvel elétrico.”, afirmando ainda que: “… a utilização dos combustíveis sintéticos permite que os automóveis atuais, mantenham a mesma potência, com emissões substancialmente menores do que as dos combustíveis fósseis”. Também, Michael Steiner (líder da divisão de desenvolvimento da Porsche), afirmou que e, no que respeita ao impacto ambiental, “o problema não está no motor de combustão interna, mas sim no combustível (leia-se: qualidade do combustível) que ele queima”. Efetivamente, constata-se que os “e-combustíveis” são mais simples, possuindo apenas dez compostos, em vez dos 30 a 40 compostos presentes nos combustíveis fósseis, fazendo com que a sua queima seja mais limpa, emitindo menos subprodutos perigosos, verificando-se uma redução nas emissões de CO2 até 85%, originando também uma redução das emissões de óxidos de azoto (NOx) e redução na emissão de partículas. Acresce-se ainda que, devido ao facto dos “e-combustíveis” poderem também ser adicionados ao combustível convencional e, utilizado nos veículos já em circulação, esta adição pode ajudar, de imediato, na redução das emissões de CO₂, o que será outra vantagem em termos ambientais.

Fonte: https://www.ense-epe.pt/news/o-hidrogenio-na-producao-de-e-combustiveis/