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“Combustíveis de Baixo Carbono são uma das soluções para a transformação energética da mobilidade”

 

António Comprido, secretário-geral da Apetro – Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, explica o que são os Combustíveis de Baixo Carbono e o seu impacto na economia e nas empresas, sublinha a necessidade de diversificar as fontes de energia e alerta para o perigo de trocar o petróleo, controlado por regimes pouco amistosos com a Rússia, para baterias de lítio, mineral cuja produção mundial é dominada pela China.

No último congresso da Anecra – Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel, apresentou a recém-criada Plataforma para a Promoção dos Combustíveis de Baixo Carbono (PCBC), que terá como função procurar soluções com combustíveis alternativos de baixo carbono. Como está esse trabalho a decorrer?

A PCBC pretende ser um elemento agregador de todas a entidades que acreditam que os Combustíveis de Baixo Carbono (CBC) são uma das soluções que irão contribuir para uma transformação energética duradoura e inclusiva da mobilidade. Atendendo a que o número de membros tem vindo a aumentar, e que mais organizações da sociedade civil, entre as quais a academia, já manifestaram interesse em fazê-lo, podemos considerar a nossa atividade como bastante positiva.

É mesmo possível desenvolver combustíveis que não contribuam para a pegada carbónica?

Sem dúvida, é possível e já são uma realidade. No documento Rumo à Neutralidade Climática – Clean Fuels for All, estão inscritos alguns exemplos. Resumidamente, os CBC são produtos sustentáveis de origem não petrolífera, com nenhumas ou emissões muito limitadas de dióxido de carbono, quer durante a sua produção, quer durante a sua utilização, e que podem ser usados em todos os setores da mobilidade, quer sejam meios terrestres, marítimos ou na aviação. Ao utilizar os ativos atuais, são evitadas disrupções, tornando-os mais acessíveis. Os CBC são um complemento a outros vetores energéticos essenciais para a descarbonização dos meios de mobilidade, como a eletricidade e o hidrogénio. Saliento que, para garantir o sucesso da transição energética, é imperativo que os decisores políticos nacionais e da União Europeia, concedam o mesmo reconhecimento político e um nível adequado de apoio a todas as formas e fontes de energia renováveis nos transportes. Por isso, a PCBC defende que todas as tecnologias e cadeias de valor que tenham potencial para contribuir para a neutralidade climática, devam ser consideradas em pé de igualdade.

Quais serão as vantagens do uso deste tipo de combustíveis para o tecido empresarial e quais serão os setores onde se sentirão os maiores impactos?

As vantagens imediatas dos combustíveis de baixo carbono encontram-se em vários níveis. Posso apontar a redução substancial das novas infraestruturas necessárias e um menor custo de implantação da distribuição de energia elétrica e dos pontos de carregamento rápido. Além disso, são a única alternativa tecnológica para muitos segmentos de transporte, aviação, marinha e transporte pesado, onde a eletrificação está em estágios muito iniciais permitindo, portanto, a descarbonização progressiva desses sectores. Dão ainda opção de escolha entre tecnologias de baixo carbono, garantindo que a neutralidade carbónica seja acessível a todos, sendo uma solução competitiva em comparação com as alternativas. Contribuem igualmente para uma maior segurança de abastecimento, diversificando as formas de energia final disponíveis e reduzem a pressão e o custo para obter uma substituição completa da frota que garanta a neutralidade climática, apoiando também uma transição justa. Por fim, ajudam a manter a dinâmica industrial portuguesa e europeia, e o emprego no sector automóvel, e desenvolvem o das matérias-primas alternativas, como a biomassa sustentável, agrícola e florestal, e resíduos – os biocombustíveis -, contribuindo para a economia circular e a redução do risco de incêndios. Em suma, uma transformação energética duradoura e inclusiva, que contribua ativa e transparentemente para a transformação dos nossos sistemas de energia e de transporte, deverá ter em conta todas as tecnologias de baixo teor de carbono, que possam apoiar a ambição climática da União Europeia, respeitando também as necessidades sociais e económicas dos consumidores.

Com a inflação nos 7,4%, segundo números do Governo, e com o inverno e o previsível aumento no preço dos combustíveis, a chegarem, a nossa óbvia dependência dos hidrocarbonetos mostra-nos que a descarbonização e a adoção de fontes de energia alternativas, com maior potencial do que as solar e eólica, já deveria ter sido acelerada e transformada em desígnio nacional?

Aí está uma matéria sobre a qual penso que deveríamos refletir, tanto em termos nacionais como europeus. Sem dúvida que a inflação foi impulsionada para níveis que há muitos anos não se verificavam, devido à dependência da Europa da energia russa, bem como de outros produtos tais como o trigo, a cevada, os metais, os minérios, e um conjunto de outros componentes de diversas cadeias de valor, de que a Ucrânia e a Rússia são grandes produtores. Tendo isto em consideração, não será de repetir a dependência, nem de apenas um vetor energético, nem de apenas um, ou alguns, poucos, fornecedores. Impor uma única solução, implicará o risco de novas dependências. Há que salvaguardar o papel fundamental que a diversidade tecnológica tem na garantia da independência energética da Europa. Dou, como exemplo, as terras raras, imprescindíveis para o fabrico de baterias, que provêm maioritariamente de um país – a China – e de outros elementos, de muitos poucos, alguns com modelos de governação que também são fontes de preocupação quanto à sua fiabilidade no abastecimento das cadeias de valor. Não me parece, portanto, de todo, lógico, passar de uma dependência energética, mais fácil até de ultrapassar pela robustez e flexibilidade do sistema, para uma dependência de outros produtos. Daí que considere imprescindível para a redução da emissão dos gases de efeito estufa no sector dos transportes, a utilização de combustíveis alternativos sustentáveis, tais como os combustíveis líquidos e gasosos, incluindo hidrogénio renovável, metano renovável, biocombustíveis e biocombustíveis avançados produzidos a partir de resíduos da agricultura, silvicultura, indústria da madeira, indústria alimentar e similares, de origens não biogénicas, como a reciclagem de resíduos de plástico ou mesmo sintetizados a partir da eletricidade renovável e de dióxido de carbono, capturado diretamente do ar, que serão muito eficazes pois, além de terem efeitos imediatos na redução de emissões reais de gases de efeito estufa para a atmosfera, a partir da enorme frota de veículos existente, incluindo os movidos a gás, não necessitam de uma nova infraestrutura de abastecimento e estão disponíveis na Europa.

Acredita que, caso já fosse possível uma utilização viável e abrangente do hidrogénio pela indústria, Portugal poderia evitar as consequências nefastas da invasão da Ucrânia pela Rússia?

Tal como já referi, julgo que o fundamental para salvaguardar a independência energética é a diversidade de vetores energéticos e a segurança do abastecimento. Sem dúvida, que o hidrogénio terá um importante papel a desempenhar, mas não será imediato e implicará grandes investimentos em infraestruturas.

Em 1976, Portugal ficou de fora do nuclear, após ações populares, como a famosa manifestação de Ferrei, no concelho de Peniche. Há economistas que dizem que, dada a falta de recursos do Estado, uma central destas seria um erro que esgotaria o País economicamente. Perante o cenário de restrição ao acesso aos hidrocarbonetos e à seca que ainda não acabou, que outras alternativas viáveis teríamos?

Numa análise global, como aliás já foi manifestado pela Agência Internacional de Energia, não será possível alcançar as almejadas metas climáticas sem a utilização do nuclear. Quanto a Portugal, não fará sentido pensar na instalação de uma central nuclear. Somos um País que tem condições muito favoráveis para a utilização de energia eólica, solar e hídrica o que, a meu ver, muito bem, tem sido aproveitado e desenvolvido. Contudo, todos estes vetores energéticos são intermitentes, havendo necessidade de um mecanismo alternativo que permita o fornecimento de eletricidade, de noite, quando não há vento e quando a baixa cota de água nas barragens, como aconteceu recentemente devido à seca, não permitem, de todo, a sua produção. Até agora, o fornecimento era garantido pelas centrais termoelétricas do Pego e de Sines, entretanto encerradas, sem existir nenhuma alternativa à eletricidade produzida por estas centrais. Isto levou à deslocalização da produção para outras centrais a carvão, nomeadamente em Espanha, que emitem igualmente dióxido de carbono e outros gases, agravando a necessidade de importações nacionais de energia.