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Biocombustíveis: alternativa para uma mobilidade mais sustentável

 

Com as metas para a descarbonização cada vez mais próximas, enquanto os carros elétricos não estiverem em maioria na estrada, os biocombustíveis podem dar uma ajuda. Veja como.

É possível pôr um carro a andar com restos de óleo de fritar batatas? Ou ainda com resíduos de milho, açúcar ou beterraba? É exagerado dizê-lo assim, mas é possível, desde que estes ingredientes se combinem para formar um combustível que depois será adicionado ao combustível convencional.

Com a concentração de gases com efeito de estufa e as alterações climáticas, pelas quais os automóveis têm a sua parte de responsabilidade, virámo-nos para alternativas. A mais óbvia e em grande desenvolvimento nos últimos anos é a dos carros elétricos. Mas, independentemente de se apostar neles como alternativa, é preciso assegurar que os carros a motor de combustão que circulam também contribuem para as metas de redução de gases com efeito de estufa. O caminho que tem sido seguido é o da incorporação de biocombustíveis nos combustíveis tradicionais (gasóleo e gasolina). A sua matéria-prima são os tais óleos alimentares usados, e outras matérias-primas como o milho ou a beterraba. Têm menos emissões de gases com efeito de estufa que os combustíveis tradicionais, considerando a totalidade do ciclo de vida, em particular nas emissões na fase de produção e de utilização. Apresentam emissões de CO2 inferiores às dos combustíveis fósseis, porque se considera que o CO2 libertado na fase de utilização equivale ao capturado no desenvolvimento das matérias-primas. No caso dos biocombustíveis com origem em resíduos, que são os que têm menor impacto ambiental, existe uma redução de 44% das emissões liquidas de CO2 face aos combustíveis tradicionais.

Mas é fácil deduzir que algumas matérias-primas que enumerámos atrás podem ocupar o lugar errado: os biocombustíveis de primeira geração faziam uso de solos agrícolas em larga escala, o que pôs em perigo – e ainda põe – a segurança alimentar de populações, especialmente em países do hemisfério sul. E continuam a preocupar pelo nível do impacto do uso do solo agrícola e no abastecimento alimentar, devido às consequências diretas e indiretas resultantes da alteração do solo.

Biodiesel: gasóleo com biocombustíveis

A solução tem passado pela aposta em novas tecnologias para a produção de biocombustíveis avançados, com origem em matérias-primas residuais, como óleos alimentares usados, resíduos resultantes do papel e da madeira, orgânicos e industriais. Outras hipóteses, ainda em desenvolvimento, são as algas ou alguns microrganismos geneticamente modificados. Estas novas gerações permitem a redução de emissões de CO2 e uma maior sustentabilidade no uso dos solos.

Essa transição já começou em Portugal. Por cá, trabalha-se em substitutos do gasóleo, como os FAME, sigla inglesa para esteres metílicos de ácidos gordos, um nome complicado que designa óleos com origem em culturas como a colza, a palma e a soja, e no óleo vegetal hidrogenado (HVO), proveniente de óleos alimentares usados. Estes últimos têm um desempenho ambiental melhor que o dos FAME, pois conseguem reduzir as emissões diretas de óxidos de azoto e de CO2, entre outras vantagens.

Destes óleos nasce o biodiesel, que é misturado com o gasóleo tradicional em diversas percentagens, que podemos distinguir até pelo nome: do B5, que contém até 5% de biodiesel, ao B20, entre 6% e 20% de biodiesel.

Bioetanol: adicionado à gasolina

E a gasolina? A principal alternativa consiste no bioetanol, com origem em culturas de açúcar, milho e beterraba. Este biocombustível pode ser usado como aditivo da gasolina em pequenas percentagens (E5 ou E10, que correspondem a 5 ou 10% de mistura), e, tal como nos carros a gasóleo que recorrem a biodiesel, não é necessário alterar os veículos.

Ao longo dos anos, o nosso país tem reduzido a utilização das matérias-primas mais polémicas, como os óleos de colza e de soja, e tem aumentado o uso de outros materiais residuais. A biomassa agroalimentar – a tal que ocupa solos onde poderiam estar produtos alimentares – ainda representa uma parcela relevante na produção, com um peso médio de 40 por cento. A nossa contribuição no fornecimento de óleos alimentares usados ronda os 10%, estando abaixo da capacidade nacional instalada; o restante é importado de mercados como a Espanha (37%), a Malásia (16%) a Arábia Saudita (7%) e outros países.

Neste cenário, é útil haver uma espécie de “fiscal”, que possa conferir a origem do que nos entra pelo depósito dos automóveis. O Laboratório Nacional de Energia e Geologia realiza auditorias anuais aos produtores e incorporadores com base na verificação de declarações certificadas, nas quantidades produzidas. Além disso, exige uma documentação de sustentabilidade, que consiste na identificação de vários parâmetros, como produtores, origem e processamento de matérias-primas e emissões de gases com efeito de estufa ao longo da cadeia de produção. Mas, como esta “fiscalização” só é feita na última etapa da cadeia de valor, estamos expostos a eventuais fraudes na certificação nos países de origem destas matérias-primas, em particular nos estados fora da União Europeia. Até porque muitos deles não têm mecanismos para vigiar de onde provém a biomassa que produzem (se é de solos agrícolas ou de aproveitamento de resíduos).

Como se pode remediar esta incerteza? Com mecanismos de certificação mais robustos, de “olho vivo” sobre o cumprimento dos critérios quando se importa biomassa e biocombustíveis. Para aguçar as nossas capacidades de verificação foram criados os Títulos de Biocombustíveis (TdB), atribuídos como um certificado com base em critérios de sustentabilidade, como os que já referimos. Os fabricantes devem facultar um conjunto de elementos, como a identificação e o país de origem do produtor, a certificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade e a documentação comprovativa da qualidade do biocombustível com as especificações técnicas nacionais. No geral, a maioria dos TdB emitidos diz respeito à produção nacional de biodiesel, enquanto os referentes aos substitutos da gasolina, como bioetanol, são importados.

Para incentivar a produção e a incorporação de biocombustíveis avançados, provenientes de resíduos, Portugal passou a emitir títulos de dupla contagem pela sua introdução no mercado e estabeleceu o benefício de isenção do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) aos operadores económicos. Verifica-se, por isso, um aumento significativo na emissão de títulos de dupla contagem, com uma contribuição média de cerca de 38%, no período 2017-2020.

Aumentar a produção nacional

Atualmente, Portugal está a pouco mais de metade da sua capacidade de produção. Temos metas de incorporação de biocombustíveis que evoluíram de 5% em 2011 para os 11% no ano passado. Para conseguirmos chegar a essa percentagem de 11% ainda temos de importar a maior parte da matéria-prima e comprar TdB…

Afinal, não basta aproveitar resíduos que nós próprios produzimos em casa ou nas empresas no dia-a-dia? Talvez não cheguem, com a tecnologia atual, para produzirmos a totalidade dos nossos biocombustíveis, mas esse aproveitamento, se o conjugarmos com diversas matérias-primas, poderia ajudar, e muito. Afinal, já dizia o anúncio clássico, o que é nacional é bom…

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