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Crónica – Gasolina sintética faz sentido? Porsche responde

A Porsche está a construir uma fábrica-piloto no Chile para produzir gasolina sintética. Jogando com o balanço de CO2, a marca procura o caminho para chegar à neutralidade carbónica. Mas será uma solução viável?

A Porsche deixa claras as suas intenções em relação à transição energética: “a mobilidade elétrica é a nossa prioridade” disse uma fonte oficial da marca. Mas isso não significa que seja a única solução. Nem a que resolve todos os problemas, no menor espaço de tempo.

A gasolina sintética, ou o “e-fuel”, vai ter um papel na aceleração da transferência para a electrificação. Mas, para isso acontecer, é preciso saber como a Porsche vai fabricar a gasolina sintética.

Em teoria, o processo é simples. Tendo em conta que a gasolina é um composto de Dióxido de Carbono e Hidrogénio, “basta” combiná-los nas proporções certas para obter gasolina sintética.

A via escolhida pela Porsche foi a de gerar energia elétrica a partir de geradores eólicos. Depois, usar essa energia para fazer a electrólise da água, separando o Oxigénio do Hidrogénio e armazenando este último.

Para obter o CO2, são usados ventiladores gigantes que captam ar atmosférico e o enviam para um conjunto de filtros, de onde é extraído.

Juntando o Hidrogénio e o CO2 obtém-se metanol sintético que depois é sujeito a um processo químico que o transforma em gasolina sintética.

 

Mas qual é o objetivo?

O objetivo deste processo é que o balanço entre o CO2 captado à atmosfera e o que vai sair da queima da gasolina sintética nos automóveis que a consumirem, seja o mais aproximado possível do zero. A Porsche diz que o seu método é “virtualmente” neutro.

 

A gasolina sintética continua a emitir CO2 para a atmosfera e não só

Ou seja, a queima da gasolina sintética não deixa de emitir CO2 para a atmosfera. Mas o CO2 que emite deverá ser (maioritariamente) o mesmo que tinha sido antes retirado da atmosfera para produzir este combustível.

E isto é deixar a discussão apenas pelo CO2. A gasolina sintética tem menos componentes nocivos à saúde que a refinada do petróleo. Mas os gases que saem do escape não são inertes.

 

Porquê o Chile?

Para já, a Porsche começou por uma fábrica-piloto, num projeto em que tem como parceiros a Siemens Energy, Enel, Gasco, ENAP, AME e ExxonMobil. Tudo empresas do ramo da energia e do petróleo.

A escolha do Chile para fazer a fábrica, segundo a Porsche, ficou a dever-se ao facto de a região escolhida, Haru Oni, ser muito ventosa, por isso os geradores eólicos podem ser mais eficientes.

A marca até anuncia os custos comparativos. Enquanto no Chile, o MWh vai custar 15,50 euros, no Mar do Norte, custa 35,70 euros, mais do dobro e considerando geradores eólicos em ambos os casos.

 

E vão vender a gasolina?

Mas interessa saber qual o objetivo desta fábrica-piloto da Porsche, que deve começar a laborar já em 2022, com uma produção anual prevista de 130 000 litros de gasolina sintética.

Além de ser uma fábrica-laboratório, destinada a desenvolver a tecnologia e a reduzir os custos de produção dos combustíveis sintéticos, a Porsche anunciou que vai usar este combustível já em 2022, no seu troféu monomarca Porsche Supercup, disputado com uma versão de competição do 911.

 

E no futuro?

Com mais investimento e com o crescimento da fábrica, a Porsche estima que poderá chegar a um volume de 550 milhões de litros por ano em 2026, quatro anos antes da data com a qual se comprometeu atingir a neutralidade carbónica.

Para já, a produção da gasolina sintética em grande escala, para consumo generalizado, não é assunto de que a Porsche queira dar muitos detalhes, limitando-se a dizer que “não há objetivos fixos definidos.”

 

A produção de gasolina sintética é mais cara que a refinada do petróleo

Uma das razões é óbvia, apesar de, em relação a este assunto, a Porsche não dar detalhes, confirma que a produção da gasolina sintética ainda é mais cara que a da gasolina refinada do petróleo.

A marca estima que uma paridade nos custos pode acontecer a partir de 2030, mas à custa da subida dos impostos sobre os combustíveis de origem petrolífera.

Em vez de substituir os combustíveis fósseis por combustíveis sintéticos, a Porsche encara como mais realista uma gradual mistura dos dois, em proporções crescentes a favor dos “e-fuel”.

Bom para os clássicos e… 911

Para uma marca que tem em circulação 70% de todos os modelos que produziu até hoje, é preciso uma solução para manter os entusiastas de carros clássicos contentes, ao volante das suas peças de coleção. E a gasolina sintética pode ser a resposta ideal, pois não deverá necessitar de alterações na mecânica.

Por outro lado, a Porsche já por várias vezes disse que vai manter o sem emblemático modelo 911 a consumir gasolina até ao prazo mais tardio possível. A sua conversão para a eletrificação não parece ser viável, pelo menos por enquanto.

 

Ajuda a eletrificação?

Mas há também uma visão mais alargada do alcance que os combustíveis sintéticos podem vir a ter. A transição para a eletrificação é um desafio para os construtores, mas pode ser atingido até 2035, se falarmos apenas em carros novos.

Problema diferente é o parque rolante mundial, estimado em 1,3 mil milhões de veículos, pois esse vai demorar muito mais tempo a substituir. E poderá ser aí que os combustíveis sintéticos encontrem o seu papel na redução de CO2 emitido para a atmosfera.

Restam outras questões em relação a este projeto no Chile. Como os custos em CO2 do transporte para a Europa da gasolina sintética aí produzida. Ou, numa vertente mais filosófica, o facto de se estar a retirar energia barata de uma região pobre do globo, para a gastar numa região bem mais rica.

 

Conclusão

No final da história, a Porsche acaba por admitir que os carros elétricos, como o seu excelente Taycan, são mais eficientes do que um 911 alimentado por gasolina sintética vinda no Chile. Resta esperar para ver se tudo não passa da fase piloto, ou se o projeto terá o impulso necessário para crescer.

Francisco Mota

Fonte: https://targa67.motor24.pt/